quinta-feira, abril 06, 2006

Play it again

“We play it once, Sam”, tinham acabado de assistir Casablanca , com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. Gustavo sentou-se ao teclado e começou a tocar vagarosamente as notas de Round’ Midnight. Não era exatamente um piano de cauda, nem um Thelonious Monk, mas era igualmente belo, sagaz e perfeito, com um simples balançar da cebeça, como se dizendo “vai lá”, e Marcelo começa a frasear imberbe no trumpete. E Marina, impassível, contemplando a beleza da noite urbana, com seus prédios altos, e ruas, e fachadas, as luzes brilhando, ofuscando as estrelas lá no alto, com o clássico monkiano como trilha sonora, nada mais puro, sujo e melancólico, a avenida, embaixo do oitavo andar, pouco movimentada, com alguns carros zunindo, uns em alta, outros em baixa velocidade, nos edifícios vizinhos algumas luzes – alguém deve estar com insônia nesse momento – então ela virou-se e olhou os dois músicos que improvisavam sobre a música, concentrados, compenetrados, parecendo que estavam em outra dimensão, eles estavam no mesmo lugar que ela, mas estavam numa dimensão diferente, a dimensão musical, e dentro dela a dimensão do jazz, enquanto tocavam nada poderia tirar-lhes a atenção, mesmo que ela começasse a fazer um strip-tease sensual ao som da música, mesmo assim, nada os faria virar os olhos. Estavam com os músculos tesos, mas ao mesmo tempo calmos, como se estivessem ligados telepaticamente e cada um respondia o que o outro pensava. Marina calmamente sai do lugar onde estava e vai direto pegar uma garrafa de vinho no chão da sala e enche sua taça, bebe calmamente, sorvendo cada sabor contido na bebida, leva o cigarro à boca e dá uma tragada funda e dá uma baforada, era mais um suspiro. Um suspiro, um pensamento, de como aquelas pessoas e ela foram se encontrar tão repentinamente em um lugar non-sense e virar amigos em menos de um mês, e uma paixão em quase três meses, aqueles dois rapazes enigmáticos, que parecem nutrir uma paixão entre si, não uma paixão carnal, ou mesmo relacionado ao ato físico do amor, mas uma paixão pela música, uma paixão tão extrema que ela mesma compartilha com os dois e não a faz desgrudar nunca:

- Marina, essa é pra você.
- O que vocês irão tocar agora, Gustavo?
- Adivinha? Cante Marcelo – as notas suaves do piano.
- My Funny Valentine, sweet comic valentine, you make me smile...

Ela sorriu, mostrando os dentes brancos como pérola, foi por isso que Marina se apaixonou pelos dois, a música os uniu, e não só o jazz, inclui isso outros estilos como o rock alternativo e a MPB, além do cinema, as artes, enfim, a cultura, foram essas coisas que os aproximaram e os manteram como a gravidade une a lua à Terra e como um imã mantém os metais unidos. Mas até isso era enigmático pra ela, mas não cabia a Marina responder, nem Gustavo, muito menos Marcelo, a função deles nesse plano, nessa vida era aproveitar o máximo, divertir, compartilhar as alegrias, confidenciar as mágoas e não se importar com a inveja dos outros, que falavam mal a beça dos três, além de absorver mutuamente a música que os unia tanto. A beleza disso era o enigma e o mistério que envolve a relação de amizade entre os três, quiçá um romance, um triângulo amoroso, e que sabiamente resolverão juntar os cacos espalhados dos corações partidos ante a tanta paixão, pois no final de tudo, eles eram amigos, e amigos de verdade permanecem junto até o fim. Diante dessa epifania profana ao som do piano magnífico e um trumpete suave, mas poderoso, Marina deu um gole, esvaziando a taça, caminhou até os dois, e lascou um beijo sincero em cada um:

- Eu amo vocês, esse beijo foi sincero, mas só será dessa vez.

Deu uma risada gostosa, contente com os olhos arregalados de cada um, e certa de que fez as amizades certas. Poucas pessoas são singelas e puras como eles:

- Play it again, for old times'sake!!

terça-feira, abril 04, 2006

a culpa é minha?
a culpa é sua?
a culpa é nossa?
não, a culpa é de ninguém

segunda-feira, abril 03, 2006

Amores partidos se reconfortam em uma boa comida

Chet Baker no cd player, mais precisamente "My Funny Valentine" - ela poderia ser minha adorável namorada - pensou Ricardo com seus "bottons", uma garrafa de vinho branco pela metade, lágrimas descendo pelo rosto, misturando-se ao vinho bebido por ele, na boca um sabor agridoce - o sabor da desilusão - falava Ricardo consigo mesmo. Sentado no sofá, tentava relembrar todos os momentos vividos com Daniela, além de tentar digerir o término do namoro", ocorrido há uma hora atrás. Ela estava bonita, ele estava feliz, como sempre, tinha feito um jantar romântico somente para os dois, que desembocaria numa noite maravilhosa, mas o que aconteceu foi o reverso. Dani estava tensa, fria, esquisita, tentando proferir aquelas palavras destruidoras - é melhor a gente não se ver mais - disse, gaguejando, como se não estivesse acreditando no que falara, ou então, indecisa naquela sua decisão, mas ela sabia que não era isso, ela só estava triste e temerosa de acabar com os sonhos daquele rapaz, estava com remorso do mau que tinha feito. Ricardo sentiu um calafrio e o mundo inteiro sobre seus ombros e sua cabeça, ele queria saber o porquê - Diego - ela disse - nós estamos juntos há duas semanas - ele sentiu vontade de vomitar. Tá certo que eles não estavam namorando, ele ia propor o namoro naquela noite, mas não estava preparado para aquilo. A conversa foi rápida e indolor, nenhuma discussão nem briga, apenas um silêncio amargo, que ela levou consigo porta afora, que ele carrega consigo e tenta dissolver com o vinho.

Miles Davis - queria saber tocar trumpete e destilar toda minha dor - pensou Ricardo, ouvindo toda a beleza triste de "Summertime", uma música triste que Miles elevou ao triplo, a versão de Janis Joplin é aterradora, mas Miles multiplica a dor de "Summertime", a dor que Ricardo sente agora. Ele faz a seguinte pergunta, "por quê", mas não existe porquês, nem respostas aos porquês, apenas acontecem, um dia você está alegre e radiante e tudo vale a pena, noutro você só quer dormir o dia inteiro, entupido de heroína, sem razão para viver. A garrafa já está no meio, ele devia comer a janta que ele fez, senão a ressaca irá fazer efeito amanhã, mas existe pior ressaca do que receber uma notícia dessas, que te dá um soco no rosto impiedosamente, e depois vai embora sem pedir desculpas? Daniela nem desculpas pediu, só disse "foi bom enquanto durou" - foi bom, mas eu queria mais, eu não sou o suficiente para ela - pensou. Arrasado, levantou com dificuldade até a cozinha, pegou um prato com talheres, e começou a se servir - pelo menos sou um bom cozinheiro e isto está delicioso, pena que ela não pôde prover - tentando se recuperar do baque.

Sabe aquela sensação de que vai permanecer sozinho para sempre?

I'm losing you.....

I am strangely sad.....