sexta-feira, setembro 29, 2006

Eu te incomodo

Às vezes tenho a leve impressão de estar te incomodando. É claro que você nunca me falou isso, porque você tem aquele jeto e gentil de falar docemente, mesmo discutindo, além de não querer machucar as pessoas com sua fala. Digo que estou te incomodando mesmo pelos seus gestos simples e sutis, e os seus olhos cor de amêndoa que insistem em ficar zanzando pra um lado e pro outro, nunca se encontrando com o meus, azuis e tão claros que ficam te fitando infinitamente. Apesar de estarmos um ano juntos, parece que você me vê como um completo estranho pronto pra te estuprar...e isso me deixa tristemente alarmado, ver que ao longo do tempo eu fui me tornando estranho e impossível ao seu lado. Sim, eu estou te incomodando, você não me liga mais, não me manda mais cartinhas, nem mesmo dá um beijo no rosto, e quando beijo sua boca, parece que seus lábios estão dizendo "por favor!! não!! o que fizemos pra você no odiar desse jeito?!". É por estar te incomodando, que te deixo essa cartinha singela, simples, direta, curta e grossa dizendo: "I'm leaving you, não me procure mais", se é melhor ser estranho ao teu lado ou um completo estranho longe de ti, prefiro a segunda opção, porque não quero mais te ver indiferente ou com um desprazer total ao me ver, porque vou acabar tendo nojo de ti, e não quero isso. Lógico que você nunca ia querer terminar comigo, e é lógico que eu não quero terminar contigo cara a cara, porque ambos sabemos que somos covardes e não resolvemos enfrentar os nossos medos, então é melhor que seja assim...afinal, só temos 17 anos e temos muito tempo pra frente. Eu vou aprender com os erros e você também, e assim é a vida. Só não quero te incomodar mais....Goodbye forever!

My Morning Jacket - "Hopefully"

domingo, setembro 24, 2006

Eu só queria te dizer....

Uma mão cutuca o ombro da garota - Flávia! - um rosto se aproxima bochecha dela - Que foi Jorge? - uma voz sussurra no ouvido - queria conversar contigo depois, pode? - um aceno com a cabeça indicando positivo. "Ufa, quanto mais rápido me livrar desse peso no peito, melhor", pensou Jorge aflito, "eu só quero me aliviar disso". Já foi um custo para tomar coragem e decidir o que ele queria e falar extamente para Flávia o que tinha pensado.

Flávia veio em sua direção, com uma latinha de cerveja na mão e toda risonha:

- O que você quer conversar comigo?
- Vamos lá pra cima, sentar nos sofás.....lá é mais sossegado e a música não atrapalha!
- Claro..

Jorge pegou na mão delicada de Flávia e a conduziu pelas escadas até se sentarem confortavelmente em uma das várias poltronas espalhadas pela sala "lounge" da boate. Ele estava tremendo, suando frio e não sabia como começar:

- Flávia....eu queria te contar uma coisa.
- Sim....pode falar.
- Ehr...é que...eu te conheço a um tempo, não é verdade?
- Sim, sim..
- Ahm....-tirou um pacote de Marlboro- é que...sabe né?
- Sabe o que, garoto?
= Ahm - colocou um cigarro na boca e acendeu - você sabe que eu te prezo muito..gosto muito de você né?
- Sim...eu também gosto, você é meu anjo da guarda - ela segurou na mão dele e um arrepio correu seu corpo todo - mas me fala o que você quer...
- Olha - tragou fundo e soltou uma baforada - eu gosto muito de você!
- Sim, eu também gosto de você!
- Você não tá entendendo - as mãos frias e tremulantes dele seguraram as dela, macias com felpudo - eu gosto MUITO MESMO de você! Nas últimas semanas tenho tido sentimentos sobre você
- Aaahhhh - ela jogou seu corpo pra trás, acomodando na poltrona, e deu um gole imenso na cerveja - uuufff...como é que vou dizer...é que eu gosto de você..
- Nem precisa completa....como amigo..eu sei, eu sabia que você iria dizer isso.
- Jorge...desculpa!
- Precisa se desculpar não....eu só queria que você soubesse, porque quero me aliviar dessa coisa entalada na minha gargante e que faz meu peito doer...
- Jorge...
- Tudo bem....agora que você sabe, eu só não quero que mude as coisas entre a gente.
- Não vai mudar, eu prometo - segurou forte a mão dele e deu um beijo no rosto barbado - você é meu anjo da guarda, e nada vai mudar nossa amizade, nem mesmo isso!
- Obrigado....você é fofa viu - ele a abraçou forte - não quero te perder como amiga!

Ficaram abraçados um tempo, que pareceu uma eternidade para os dois. Lá embaixo tocava qualquer coisa do Arctic Monkeys. Flávia gentilmente olha nos olhos de Jorge, se levanta, pega sua mão e leva lá pra baixo - vamos lá pra baixo, dançar e beber e se divertir, porque é pra isso que estamos aqui né? - e Jorge concorda com um aceno positivo de cabeça e um sorriso.

The Replacements - "Alex Chilton"

terça-feira, setembro 05, 2006

Não sou mais uma garotinha

Estava no quarto, só de cueca samba-canção. Tinha acabado de tomar um banho refrescante ao som de Lambchop. Aquele “som de negão” feito por caipiras de Nashville balançava-o, “soul music” de alta qualidade contida no álbum “Nixon”. Deitou-se na cama e começou a ler o livro de quadrinhos do Robert Crumb & Harvey Pekar, o cotidiano de Pekar retratado em “American Splendor” era interessante, pois Fábio se identificava totalmente com os personagens.

Estava tão absorto na conjunção Lambchop-American Splendor, que nem percebeu a chegada da sua vizinha de prédio. Camila o surpreendeu com seu “olá professor” meigo e gentil disfarçado de “femme fatale”. Maurício deu um pulo, afinal não é todo dia que uma vizinha ou aluna o vê na intimidade do lar de cuecas, ainda mais samba-canção. “Tô atrapalhando, professor?” “Não, não...espere só um pouquinho até eu colocar uma roupa tá?” “Ta bom...vou sentar no sofá da sala. Afobado, tirou a cueca de seda, vestiu uma normal, colocou a melhor bermuda do armário, e uma camiseta do Bob Dylan – que por sinal Camila adorava – e foi conversar com sua aluna-vizinha de baixo. Ele ficava se perguntando o que diabos essa menina veio fazer no apê dele, sábado quatro horas da tarde, já que não era o horário costumeiro das aulas particulares.

Camila estava sentada no sofá vendo o DVD “No Direction Home”, documentário sobre Dylan, ela o olhou com um sorrisinho e disse “meu Deus, nós somos telepatas”, Maurício riu olhando pra camiseta e se sentou de frente pra ela na poltrona. “Ué, porque você tá aqui? Tá com alguma dúvida em matemática? Porque você não tocou a campainha?”, “calma professor, uma coisa de cada vez”....dava pra perceber que Maurício estava atônito com a chegada da menina, e visivelmente eufórico. “Relaxa Maurício, eu bati a porta algumas vezes, toquei a campainha, mas ninguém atendeu, e a porta estava destrancada, e como eu sou xereta – deu um riso largo, mostrando seus dentes alvos – vim saber se você estava aqui, e estava...de cuecas...”, “você me assustou sabia? Invadiu propriedade particular e a minha privacidade, viu?”, “Ah Maurício, pára com isso né? Não tem nada demais uma garota ver um cara com cueca samba-canção...ainda mais você”, “como assim ainda mais eu?!?”, “pô, já temos intimidade suficiente pra não sentirmos constrangidos...aliás, você quer ver minha calcinha?”, ela se levantou e foi começando a abrir o zíper da calça, “Camila, pára com isso, você quer me matar do coração? E se alguém vê isso aqui vai pensar o quê? Me diz logo o que você veio fazer aqui?”. Com cara de sapeca, ela subiu o zíper e se sentou novamente, “quem vai ver isso aqui? Só você...e ninguém vai passar aqui, minha mãe tá trabalhando, o Marcos – colega de apartamento de Maurício – tá de viagem..”, ela se levantou novamente e foi ao encontro de Maurício, “há quanto tempo a gente se conhece hein?”, o coração dele começou a disparar, “há uns quatro anos mais ou menos”, “na época eu tinha uns doze, treze anos né? Foi a época que você começou a me dar aulas particulares de Matemática né?”, ela se sentou do lado dele, olhando firmemente, ele começava a suar, “fo-o-oi sim, eu dava aulas no mesmo colégio que você estudava, e ainda estuda, e coincidências do destino, morávamos no mesmo prédio”, “então.....agora estou com 17 anos, e você com?”, “25...o que você quer dizer com isso??”, “eu?? Nada..só estou apenas dizendo”, a mão de Camila repousou sobre a coxa dele, Maurício deu um pulo, “não!! Não!! Não podemos fazer isso”, “isso o que, professor?”, “eu conheço sua família, conheço sua mãe, e conheço você quando ainda era uma garotinha, você não tem o direito de me seduzir garota!”, “porque não? Não somos homem e mulher? Vai dizer que nunca reparou que eu cresci?” Maurício por um instante olha aquele mulherão de 1,75 na sua frente e quase desmaia, “si-i-im...já reparei sim, mas é contra as normas e os bons costumes”, Camila dá uma risada, “logo você, Maurício? Que não aceita as regras? Não estou te entendendo” ela vai se aproximando lentamente, “e sua mãe? O que diria?”, “Minha mãe?? Ela te idolatra, ela até acharia bom eu namorar contigo, porque você cuidaria de mim”, “eu cuido de você, mas como irmã”, “tenho certeza que não”.

Seus rostos estão a um palmo de distância, um beijo é preparado por ambas as partes, Dylan toca “Don’t Think Twice” no DVD,sussurros nos ouvidos, “você sempre foi e sempre será o meu professor preferido”, ele engole seco, “você me ensinou tudo a respeito de Matemática e cultura, e livros e música, e me fez apaixonar em Dylan, agora me ensinará sobre outra coisa”, ele está tonto, “mas e os garotos da sua idade?” “eles são infantis, eu quero um homem pra mim” beija o pescoço dele, fazendo arrepiar da nuca ao dedão do pé, “você é uma femme fatale, já disse isso?” “milhares de vezes...”, estavam totalmente abraçados, envoltos, hipnotizados, “você é uma garota muito má...”, “não sou mais uma garota”.

Bob Dylan - "Visions Of Johanna"