A última noite - Chapter 3 - The Last
“Gostaria de dizer que essa é a última música que a gente irá tocar, a última MESMO.”
Aplausos, assobios e palavras soltas. André começa a entoar “Hey Joe” - a primeira música que ele “tirou” no violão - lágrimas começaram a cair do rosto dele. Olhou para a platéia perto do palco e viu os olhinhos de uma menina brilhando, era a fascinação de Paula, admirando um cara incrível, simplesmente incrível.
Solos de guitarra, agitação, microfonias infinitas, improvisação da “cozinha”, bateria e baixo em harmonia. Isso foi o final triunfante da carreira dos Avengers, triste, mas emocionante, sentimental, mas furioso em sua essência, tudo para não mostrar o real sentimento dos integrantes naquela última noite, a dor da perda. Eles saem do palco e vão direto para um cubículo do club, os camarins, ou bastidores, localizado no fundo do palco. O DJ mais vagabundo, maldito e legal da cidade começa seu set de discotecagem, com Gouge Away dos Pixies. Lá dentro, as quatro pessoas que irão se separar, conversam animadamente, tentando de todas as maneiras disfarçar a tristeza daquele último encontro. Juliana resolve subir ao palco para desmontar suas coisas, seguido de André. Agacham-se e fazem o último ritual de cada apresentação do grupo, desplugar guitarras, guardar os cabos, colocar os pedais nas respectivas caixas, armazenar gentilmente as guitarras no case, e dar adeus para o palco. Eles ouvem um “psiu” bem baixo, Juliana olha para trás e vê Paula, uma menina tipicamente indie, branquinha, cabelos pretos curtos, saia, blusinha do “Belle & Sebastian” e tênis all-star, e rapidamente entende que é para André, ele olha e gesticula que irá sair só depois de colocar as coisas no camarim.
Weezer nas pick-ups, Paula e André conversam no balcão, enquanto Juliana olha enciumada para o amigo e para a groupie que quer atacá-lo. Alexandre chega perto dela:
- Ju, deixa-o aproveitar a última noite dele aqui.
- Mas eu queria que essas últimas horas fossem comigo
- Eu sei, ele sabe, você sabe, mas agora é tarde demais, entende.
- Entendo, mas eu preciso desse último suspiro, uma esperança perdida.
- Não se preocupe com isso agora, vou pegar duas cervejas para a gente.
- Okay, amigo!
O olhar dela acompanha os casalzinho mais indie do club até o banheiro, até sumirem nas entranhas mais sacanas do lugar. O coração dela aperta e começa a chorar nos ombros de Alexandre.
“Mais um groupie, a última dessa minha vida musical”, pensa André enquanto beija ardentemente Paula no cubículo da privada. Ao mesmo tempo alegre e triste, com raiva e dó daquela menina de 17 anos se portando como uma puta, só para depois contar às coleguinhas o que fez com um músico famoso na cidade. No entanto ele não tinha nojo, só sentia o desejo pulsando em suas veias e a vontade de satisfazer aquele corpinho juvenil, afinal era a última noite.
Queens Of Stone Age é a trilha sonora perfeita para os acontecimentos no banheiro, sonoridade e nervosismo à flor da pele. Quarenta minutos após eles entrarem no banheiro, os dois saem completamente satisfeitos e cheios de prazer, agora cada um segue seu caminho e nunca mais se cruzarão novamente. Ele chega em Juliana, os dois com um semblante triste e convida-a para sentar com ele no balcão. Duas, quatro, seis cervejas e conversas infinitas sobre várias coisas, porque chega uma hora que finalmente tem que se acertar as coisas antes de ir embora para sempre, e eles deviam fazer isso.
Cinco horas da manhã, poucos gatos pingados e bêbados enchendo o saco do DJ para colocar Ramones, mas ele insiste no set indie de final de noite, Crown Of Love, dos badalados Árcade Fire. Juliana e André abraçados e chorando a cruel despedida que pensavam que nunca iria acontecer, um beijo na boca inesperado sela a fidelidade de duas pessoas de sexo opostos, que já confundiram algumas vezes a diferença entre amor, paixão e amizade. Aqueles três anos de convivência, desde aquele dia em que ela olhou para ele cantando em algum festival de colégio e se encantou com o dom da música. Ou o dia em que André viu Juliana pela primeira vez, linda, numa boate-rock da cidade, e conversou e percebeu que a garota era um poço cultural. A amizade durará por muito mais tempo, mas longe um do outro, nunca irão mais se encontrarem num bar sujo pra combinar uma saída, ou num estúdio para tocar qualquer besteira, ou no parque da cidade, sentar e contemplar o pôr-do-sol, as coisas simples e complexas da vida.
Eles caminham para a saída do club, sete horas da manhã, o sol já a pino, e algumas pessoas caminhando nas ruas e calçadas do centro. Dão-se um abraço longo, uma despedida forte e sentimental. “Você irá na rodoviária?”, “Claro que irei”. Um último beijo, a última caminhada sozinho para a estação de metrô com o bag da guitarra nas costas. A última manhã, o último nascer do sol nessa cidade linda e triste. A última lágrima.
Bob Dylan - "Don't Think Twice It's All Right"
2 Comments:
alguma identificação com o carinha da banda, rafa? hehe
boa semana!
DJ de fim de noite tocando "Crown of Love"? Meu deus.. assim ele ia mesmo matar o coração do André, Julia e qq outro dor de cotovelo do local! Mas se começou com Gouge Away, aprovo o DJ.
Pô, agora fiquei curioso para saber do futuro do andré! Tu podia continuar isos algum tempo depois. =D
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